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Presidente da Abragames discute pontos importantes do mercado brasileiro de jogos em entrevista

A Abragames é a Associação Brasileira de Desenvolvedores de Jogos Digitais, e os principais objetivos da associação são organizar, coordenar, fortalecer e promover a indústria brasileira de jogos digitais através da representação interlocução do ecossistema nacional e internacional. Eles também tiveram um papel muito importante no Marco Legal dos games, sancionado recentemente.

A Abragames está presente na gamescom latam com um estande, trazendo vários jogos desenvolvidos por equipes brasileiras para que os visitantes tenham a oportunidade de testar o talento das produções nacionais. E a Manual dos Games teve a honra de uma entrevista com Rodrigo Terra, o presidente da Abragames, sobre os desafios e objetivos futuros para o desenvolvimento de jogos no país.

Confira a entrevista na íntegra abaixo:

A Abragames está trabalhando para melhorar o desenvolvimento de jogos no Brasil, e ajudando empresas do país que são consideradas “indie”, como exatamente vocês estão realizando esse processo?

Rodrigo Terra: A gente há 20 anos, a Abragames esse ano faz 20 anos, e desde o começo, o foco da Abragames sempre foi começar a organizar o mercado, né? Pra ajudar, pelo menos, de uma certa forma. O mercado não tinha um mercado, exatamente, há 20 anos atrás. Tinha alguns estúdios que estavam surgindo, a steam nem tinha saído do beta ainda.

Então, a distribuição digital ainda tava começando, os primeiros estúdios nascendo e etc., e aí ao longo dos 20 anos, as empresas obviamente foram mudando, crescendo, se juntando, separando, gente indo pra fora, gente voltando, e aí o mercado indie começou a surgir. E a Abragames sempre foi muito ligada e preocupada pra gente conseguir cada vez mais espaço para o desenvolvedor, ao longo desse ciclo como um todo.

20 anos depois, a gente tem um olhar de uma cadeia, diferente de 20 anos atrás hoje tem uma cadeia: tem empresas grandes, médias e pequenas. E os indies, a gente acaba não qualificando só como indies, mas a gente busca poder dar uma assistência, principalmente para o estúdio, seja ele indie, ou médio, ou grande, no acesso ao mercado internacional, no acesso a mentorias, capacitação, enfim, todo o tipo de benefícios que a gente vai construindo ao longo.

A gente tenta junto com os associados fazer uma troca constante de conhecimento, então todos os estúdios de todos os tamanhos, a gente consegue fazer uma troca interna, e abrir cada vez mais um diálogo, um espaço para os estúdios pequenos. Então, a parte de políticas públicas, que a gente vem trabalhando muito forte, é pensando nessas centenas de centenas e centenas de estúdios pequenos que estão no país, e que precisam de um empurrão, porque jogos são caros, demoram, e você não sabe se vai vender.

Então, como que a gente consegue também fazer com o que o estado brasileiro consiga ajudar a diminuir o risco? Não quer dizer o estado pagar nossas contas, pagar o boleto de ninguém, mas pelo menos induzir quando você tá, por exemplo, nesse estágio inicial de estúdio, quando tá fazendo o primeiro jogo. Então esse tem sido muito o nosso foco, a nossa pauta, principalmente a nossa pauta política, que eu acho que é onde a gente tá vendo uma primeira boa contribuição e construção para ampliar esse alcance de onde a Abragames pode construir com representatividade.

Ela não faz sozinha, a Abragames é uma associação nacional, mas ao longo desses anos as associações regionais surgiram justamente para conseguir entender, por exemplo, os locais dos desenvolvedores também. Então, obviamente a gente tem várias cidades nacionais, mas o regional tem um entendimento melhor de um estado, de um município ou de um conjunto de municípios.

Principalmente hoje a gente tem entidades regionais, e regional significa estadual nesse caso, hoje, que conseguem observar com um olhar melhor quando é um assunto daquele próprio estado, a gente tem um desenvolvimento grande. A gente tem 18 entidades regionais, e a Abragames tem um conselho de todas as regionais em que a gente debate todo o alinhamento, principalmente para onde o mercado deveria ir.

A gente colhe todas as contribuições, eles também colhem as contribuições de empresas de tudo quanto é tamanho e localidade, aí a gente consegue fazer um trabalho que consegue entender o que o desenvolvedor precisa: se tá começando, se tá no meio da jornada, se tá com empresa grande. O que que a Abragames busca trabalhar dessa forma.

Presidente da Abragames discute pontos importantes do mercado brasileiro de jogos em entrevista
Imagem promocional da abragames.

Você comentou da internacionalização dos jogos, eu fui até o estande da Abragames e realmente alguns jogos estavam totalmente em inglês. Isso já é algo que é pensado do desenvolvedor, de lançar o jogo em inglês com o objetivo de alcançar outros mercados?

Rodrigo Terra: A gente, querendo ou não, mesmo quando a gente tá começando a desenvolver: onde você vai publicar? Vai publicar na Steam, Game Jolt, vai buscar uma plataforma para publicar. Ela já é uma plataforma internacional. Você pode seguir dois caminhos: você pode fazer o seu jogo em português, pra começar e poder pegar um pouco de prática, um jogo menor, mais casual. Tem um aspecto ali, “quero desenvolver um pixel art maravilhoso ali que vai ser só uma mecânica ultra simples mas que eu quero treinar algum aspecto do time”.

Você pode simplesmente fazer isso, botar em português, você vai ter um alcance limitado. Provavelmente você vai conseguir pegar o Brasil, com alguma sorte. Ou você pode fazer assim: e se eu fizer a mesma coisa, só que já pensar em fazer por exemplo, se eu tiver uma UI ou algum diálogo, ou alguma coisa escrita, enfim, se for um visual novel ou coisa nesse sentido, já colocar em inglês.

Eu já começo a abrir a possibilidade de pegar todo o mercado internacional. Se eu conseguir fazer nas duas línguas, é melhor ainda. No nosso estúdio, o Árvore, a gente faz isso, a gente tem os nossos jogos já localizados em algumas línguas e português é sempre uma delas. Porque, por mais que a gente trabalhe com realidade virtual lá na Árvore, a gente sabe que em algum momento, a gente vai ter um acesso melhorado a esses consoles e poder ofertar o que a gente já tem em português.

É a mesma coisa que, se a gente tá indo no caminho contrário, se eu for fazer um jogo somente em português, talvez eu esteja perdendo uma boa oportunidade de mais gente conhecer. E fazer só em inglês, pode ser, mas você também perder a oportunidade de mostrar o seu jogo pra cá, e a gente sabe que o brasileiro gosta de jogo localizado. Então, é uma questão de ver o quanto você tem de recurso, o que você tem de oportunidade para trabalhar numa localização.

Mas é uma premissa, mesmo. Se você quer atingir o mercado internacional, minimamente o seu jogo precisa estar em inglês, que é a mesma coisa que acontecia antes, né. Os jogos aqui chegavam em inglês e boa parte, assim como eu, passou a aprender inglês jogando porque não tinha tradução. Tem gente que eu conheço que aprendeu japonês jogando JRPG em japonês, é mais hardcore, mas pois é.

Mas hoje a gente tá vendo aqui que The Legend of Zelda vai ser lançado com localização em português pela primeira vez na história. Então, puxa, se você quer o mercado brasileiro, tem que lançar o jogo em português.

Mas se você pensar no mercado fora, fazer em inglês já te ajuda bastante na distribuição. E isso realmente, quem participa do programa Brazil Games, você não necessariamente precisa ser associado do programa para fazer parte da Brazil Games, o programa é aberto para todo e qualquer dev do Brasil, basta você se inscrever no programa. E realmente, a gente já tenta transferir conhecimento para você conseguir ter uma boa performance no mercado internacional, e localização em inglês é uma delas.

Você tinha comentado em trabalhar em conjunto com o governo para melhorar a questão de games no Brasil, e a Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo também está lançado projetos, como a Fábrica de Games. Existe algum planejamento da Abragames em trabalhar em conjunto com eles?

Rodrigo Terra: A Abragames tem trabalhado bastante em conjunto com a Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo. A gente tem feito um trabalho junto também com os devs locais, que trazem as pautas. A gente tem ajudado o estado a direcionar, muito das pautas de games é isso, existia uma demanda das fábricas de cultura e na verdade é uma demanda nossa: precisamos de mais formação.

E essa formação precisa alcançar o estado todo, de alguma forma. Não só grandes centros, não só capital, mas a gente precisa tá chegando em zonas periféricas e no interior de alguma forma. Então as fábricas de cultura é uma rede importante que a gente tem aqui no estado, e eles entenderam que ela poderia ser uma rede importante para se trabalhar a parte de formação em games.

Então, o anúncio da Secretaria foi importante aqui em São Paulo por conta disso. Não só aqui em São Paulo que tem feito essas ações, mas a gente também tá vendo o Rio de Janeiro cada vez mais aumentando as ações formativas e o investimento na área dos jogos, seja via fomento. Outros estados também estão trabalhando em seus próprios editais, não ficando só em momentos.

Os editais são importantes, mas assim, o mercado de games não se desenvolveu usando recurso público, mas o recurso público, dependendo da fase de empresa que você tá, ele é importante para te dar aquilo que eu falei: diminui seu risco na hora de colocar o seu jogo lá na rua e ver qual que vai ser a performance dele. Você consegue diminuir os riscos, se você tá começando.

Depois, obviamente virão outros tipos de incentivo: crédito facilitado, crédito incentivado, que quando você já tá em um tamanho de empresa, crédito e acesso a crédito é muito importante. Que nem automóvel tem, a agroindústria tem. Nós que desenvolvemos games também temos que ter. E pode ser um microcrédito também, que é quando o desenvolvedor pequeno também pode entender que ele tem um jogo bacana na mão, e que ele acredita muito nesse jogo, pode também ter acesso a microcrédito.

Isso muito também tem sido pauta com SEBRAES, principalmente o SEBRAE nacional, estaduais, também tem sido a própria pauta com o estado de São Paulo, os estados eu tenho visto que estão trabalhando nesse aspecto. E no lado do governo federal, a gente vê o Ministério da Cultura e o Ministério do Desenvolvimento Econômico e de Ciências da Tecnologia vendo que agora eles tem um papel em conjunto para falar de games, então cultura tem uma competência, desenvolvimento econômico tem outro de indústria e ciência e tecnologia tem de pesquisa e desenvolvimento e conhecimento também.

Além do próprio que MEC também tem que ser envolvido, para a gente poder formar mais talentos. Então todos os estados e a federação tem que começar a ficar mais sensíveis para games, o estado de São Paulo há muito tempo já tem feito ações de games, ProAC, por exemplo, é um projeto daqui do estado com incentivo de forma indireta que já tem há uns bons anos, não só agora na gestão atual, mas também nas gestões passadas games entrou e tiveram um olhar para games.

Começou tímido, mas agora eu acho que em 2024, uma construção feita nos últimos dois, três anos, a gente tá num ponto em que o poder público tá entendendo que ele precisa fazer parte. Ele não é dependente. Ele pode fazer parte justamente para poder apoiar o dev nesses momentos de início, ou no momento de crescimento e depois deixar todo mundo se virar, que é o que funciona para o próprio mercado.

Presidente da Abragames discute pontos importantes do mercado brasileiro de jogos em entrevista
Brazil Games é o programa de exportação de jogos da Abragames.

Qual é o maior desafio para o desenvolvedor de jogos no Brasil atualmente?

Olha, o maior desafio hoje, eu vejo que primeiro é você ser empresário, sabe? Ser empresário, a gente começa com uma paixão, a gente começa querendo fazer jogo, querendo montar jogo na rua. Quer fazer o que a gente ama, né? Mas aí, na hora que eu resolvo empreender, ao invés de seguir uma carreira dentro de um estúdio de games, às vezes eu falava: “vou ser game designer, vou seguir aqui e vou trabalhar e fazer a minha carreira. Vou empreender”.

Passar um determinado momento, à partir do momento em que eu resolvo empreender, são outras coisas que eu preciso prestar atenção, são outras competências que eu preciso desenvolver. Eu posso ser um excelente game designer, um excelente roteirista, um excelente character designer, mas chega uma hora que você precisa pagar o boleto, que você tá tendo uma empresa.

Aí você vai chegar uma hora em que você tá com três pessoas, três amigos que se formaram e “vamo fazer um estúdio”, aí vai chegar uma hora que aquilo que você fazia no seu tempo livre, porque você tinha outro emprego, se você quiser fazer disso o seu trabalho, isso vai deixar de ser hobby, então você vai ter que se preocupar com: conta, com contrato, vai ter que se preocupar com como conversar com a publisher num evento que nem a gamescom latam, como eu vendo meu projeto.

Então, competências comerciais, competências de comércio internacional, mas aí você fala: “pô, eu sou pequeno, tô desenvolvendo o meu primeiro jogo”, mas se você já tiver a acessibilidade de pensar que você vai ter que se desenvolver também como empresário, que você tá abrindo uma empresa, é o que eu vejo como um dos primeiros grandes desafios.

Então a gente precisa de mais capacitação, mesmo, para quem quer empreender. Quem não quer empreender, quer seguir carreira, tem suas trilhas e é onde a gente precisa entrar com mais formação, principalmente pública. Como o ensino público é muito forte aqui no Brasil, a gente precisa ter mais iniciativas de ensino público na área de games. A gente tem muito no privado, mas não supre a demanda.

O segundo, eu vejo que é o problema de emprego também. Para quem quer seguir carreira, e para quem tá começando, é mais difícil de você entrar num estúdio hoje. Por isso que a gente empreende. Porque às vezes também a falta de oportunidade no mercado, a gente tem uma quantidade maior de profissionais júnior do que profissionais sênior, porque foram embora do mercado, mudaram de carreira, sei lá o que aconteceu.

A gente tem uma maior base, por exemplo. Aí a gente acaba não tendo tanta oportunidade dentro de todos os estúdios, então também é um movimento que a gente precisa fazer. A gente precisa fortalecer todas essas empresas, para que elas possam gerar emprego, pra poder gerar posição para quem quer seguir carreira.

E a gente precisa ter essa primeira colocação, esse primeiro emprego, esse primeiro movimento. Então, programas de estágio, programas de bolsa, programas que possam facilitar a entrada daquele que tá começando no mercado de jogos, e que não tá ainda com um olhar para empreender, precisa ter essa oportunidade.

O terceiro, é a gente poder melhorar a performance das nossas empresas. E aí vem também dois componentes: o público, que é criar formas da gente poder operar as empresas, de uma forma melhor, que a gente não custe tanto dinheiro, que não pague tanto imposto, ou que esse imposto seja abatido ou incentivado que eu possa inverter isso para que eu possa contratar mais gente, pra eu poder aplicar melhor dentro de um desenvolvimento, enfim, da arte, do jogo.

Voltar para dentro mesmo do próprio produto, ou da própria empresa como contratar um advogado, um contador, e eu poder fazer meu trabalho criativo. Senão eu vou ter que fazer a contabilidade, financeiro e etc. E aí o que menos você faz é jogo, e o que mais você faz é administrar empresa. Então, também tem gente que quer fazer, tem a vocação de criar, quer criar game, então você precisa contratar alguém pra fazer, se você tá fazendo um estúdio.

Então o desafio também de você melhorar as operações, quando você tá pequenininho, quando você tá crescendo um pouco mais, depois o médio, o grande. E tem também a parte do privado, a gente precisa fazer com que as empresas internacionais principalmente não venham aqui, olhem, peguem um monte de projeto, coloquem na sacola e vão embora.

Essas empresas também podem injetar dinheiro aqui para essas operações ficarem aqui, para a gente gerar mais empregos aqui. Para a gente poder também qualificar melhor os salários para cá e não virem pegar o projeto e ir embora. Quando você ainda consegue fechar algum tipo de projeto. Então elas também tem que ter um compromisso com o nosso território, de não ser só uma questão de vir, pega o projeto e vai embora, negocia um termo não muito favorável ao dev, e é isso?

Não, peraí. É um mercado em amadurecimento, então a gente precisa que essas empresas revertam esses investimentos para cá. Aqui tem muito talento, muito projeto bom, tem muito jogo bom. Não necessariamente você precisa pegar e ir embora, desenvolve. Então, tem um desafio do privado em entender que precisa ter o seu pé aqui, o seu desenvolvimento aqui.

Isso tá mudando. Realmente a gente tá vendo que tem muito mais interesse das empresas internacionais em estabelecer alguma coisa aqui. Mas a gente precisa ser atrativo, e para ser atrativo, a gente precisa de mão-de-obra, e ao mesmo tempo, esse dinheiro internacional é importante, mas não para depois ir embora, é importante para a gente pegar essas pessoas que trabalharam nessas empresas gringas, e poderem fazer os seus próprios estúdios aqui, e para a gente fortalecer os estúdios daqui.

E quem sabe, em cinco anos a gente consiga ter um AAA brasileiro, será que a gente quer ter AAA também? Será que o mercado indie não é a nossa vocação, e a gente tem que fazer jogo melhor sem ser AAA também? Tem jogos indie aqui que dão um pau em boa parte do que tem no mundo hoje. Hoje eu não consigo aceitar o discurso de que a gente faz jogo de menor qualidade. Não faz, a gente tem criatividade o suficiente, e tem talento o suficiente e tem conhecimento o suficiente para fazer pau a pau.

Então a gente precisa desmistificar essa questão da capacidade, que é um desafio.

Vocês trouxeram vários jogos que estão ali no estande da Abragames, quais são os seus favoritos? Que você acha que o pessoal tem que ir para experimentar?

Rodrigo Terra: Não vou nunca dar essa resposta pra você! Você tem que jogar todos, os meu favoritos são todos! E são todos da feira, se tem um desenvolvedor brasileiro envolvido, esse é o meu favorito também! Mas assim, imagina, eu quero que todos aqui possam ter a maior visibilidade o possível. Então, para ter a maior visibilidade o possível, e para isso não adianta vir e ficar duas horinhas na feira, tem que vir e jogar tudo! (risos)

Abragames está presente na gamescom latam

Presidente da Abragames discute pontos importantes do mercado brasileiro de jogos em entrevista
Estande da Abragames na gamescom latam.

A Abragames trouxe vários jogos de desenvolvedores brasileiros, que podem ser aproveitados pelos visitantes na gamescom latam. Não perca a oportunidade de conhecer os talentos do nosso país no último dia de feira!

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